sexta-feira, 27 de junho de 2008

(Hora do Delírio)

Se além dos mundos esse inferno existe,
Essa pátria de horrores,
Onde habitam os tétricos tormentos,
As inefáveis dores;
Se ali se sente o que jamais na vida
O desespero inspira:
Se o suplício maior, que a mente finge,
A mente ali respira;
Se é de compacta, de infinita brasa
O solo que se pisa:
Se é fogo, e fumo, e súlfur, e terrores
Tudo que ali se visa;
Se ali se goza um gênero inaudito
De sensações terríveis;
Se ali se encontra esse real de dores
Na vida não possíveis;
Se é verdade esse quadro que imaginamAs seitas dos cristãos;
Se esses demônios, anjos maus, ou fúrias,
Não são uns erros vãos
Eu - que tenho provado neste mundo
As sensações possíveis;
Que tenho ido da afecção mais terna
Às penas mais incríveis;
Eu - que tenho pisado o colo altivo
De vária e muita dor;
Que tenho sempre das batalhas dela
Surgido vencedor;
Eu - que tenho arrostado imensas mortes,
E que pareço eterno;
Eu quero de uma vez morrer para sempre,
Entrar por fim no inferno!
Eu quero ver se encontro ali no abismo
Um tormento incrível:- Desses que achá-los nas existência toda
Jamais será possível!
Eu quero ver se encontro alguns suplícios,
Que o coração me domem;
Quero lhe ouvir esta palavra incógnita:- "Chora por fim, - que és homem!"
Que, de arrostar as dores desta vida,
Quase pareço eterno!
Estou cansado de vencer o mundo,
Quero vencer o inferno!

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Sincronicidade

"'Não consigo acreditar', disse Alice. 'Não consegue?' disse a Rainha...
'Tente de novo; respire fundo, e feche os olhos.' Alice riu. 'Não adianta tentar,' ela disse; 'Não se pode acreditar em coisas impossíveis.' 'Eu diria que você não praticou o bastante,' disse a Rainha. 'Quando eu tinha sua idade, eu sempre fazia isto por meia hora por dia. Algumas vezes eu já tinha acreditado em até seis coisas impossíveis antes do café."
Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas

"Um evento particular pode ser infinitesimalmente provável, mas a probabilidade é sempre maior do que zero."
Isaac Asimov, Fundação II

"Cada decisão é como um assassinato, e nossa marcha em frente se dá sobre todos os corpos natimortos de nossos irmãos gêmeos que nunca serão."
Rene Dubois (adaptado)

"A realidade humana é feita de milhares de vulgaridades."
C.G. Jung, Return to the Simple Life

"Acho que minha visão está melhorando. Antes só conseguia ver uma névoa negra, agora posso ver uma névoa luminosa."
Han solo, Empire Strikes Back

Qualquer fato banal pode encontrar significados epopéicos. Essa simples afirmação é o fundamento de todo o poder, visto que quem consegue perceber "um mundo num grão de areia" se torna onipotente.
Porém, em estados convencionais de consciência, sendo soterrados pelos estados deploráveis das expectativas de uma pessoa "comum", as pessoas tendem a diminuir a grandiosidade de seus significados. Sofrem de uma baixa auto-estima contagiosa, vivem preocupados com contas, o supermercado da semana ou mesmo problemas familiares. E assim mesmo, não dão força dramática a essas "energias negativas", não as transformam em "mito pessoal", mesmo porque isso seria muito doloroso.
Preferem andar anestesiadas.

.'.

Existe um grupo de pessoas que vivem um conto de fadas. A única diferença entre elas e loucos felizes e internados, é que sabem representar.
Essas pessoas vivem dramas de amplitude enorme, mas também recebem glórias maiores do que qualquer macaco pelado conseguiria imaginar. São heróis de histórias emocionantes, não protagonistas dos diários de uma solteirona frígida.
Vivem sob augúrios sutis, presságios contidos, fases lunares. A visão não precisa ser "mística", apenas existir. Basta não virar os olhos, não procurar esquecer, não ter medo de dor ou prazer, não estar dentro de uma redoma, seja racional, emocional ou moral, cultural e mesmo pessoal.
Basta olhar os erros e acertos, sentir o estômago, o ar, os olhares, as estrelas, gatos pretos, moedas girando, coceiras na nuca, batidas, pássaros, sonhos, borboletas e morcegos: tudo que se saliente, tudo que esteja vivo. E tudo está vivo. Basta querer ver.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Eu sou a droga

"A beleza deve ser convulsiva ou não será beleza..."
Andre Breton, Nadja

"Acredite-me! O segredo de colher o mais frutífero e maior aproveitamento da vida é viver perigosamente!"
Nietzsche

"Existem períodos em que você tem que escolher entre ser humano e ter bom
gosto."
Bertolt Brecht

"Você conhece o 11o Mandamento? Ele diz: 'Não deveis chatear a deus, ou ele destruirá vosso universo.'"
John Lilly

"Temos arte de forma a não morrermos através da verdade."
Friedrich Nietzsche

"Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes - tudo passa. Só a arte fica, por isso só a arte vê-se, porque dura."
Fernando Pessoa

Por uma peculiar espiral de pensamentos transitava o jovem Salvador Dali
naquela manhã em que viu várias formigas carregando um gafanhoto morto. Este fato assustou sobremaneira o menino, por alguma razão inexplicável.
Um dia chegou em que Dali resolveu exorcizar o gafanhoto na tela e tornou-se um artista. O Gafanhoto ficou abalado pela sua exposição na mídia, afinal era um sujeito responsável e não queria ser retratado como ícone dos complexos freudianos que algum artista de terceira carregava. Humpf! Tinha que tomar alguma atitude.
"Infelizmente uma metáfora não pode processar ninguém." Afirmou Plínio, que não havia ainda se acostumado a viver em um conto surrealista. "Consulte as formigas e talvez possamos fazer alguma coisa."
As formigas não queriam ajudar. Elas se sentiram lisonjeadas pela própria
interpretação que fizeram da obra de Dali: "Algumas de nós juntas
representam um pensamento, como se cada uma de nós fosse uma célula nervosa.
É lindo!"
"Blah!" disse o Gafanhoto, só então se dando conta da galinha que o
devoraria. Olhou para a bocarra se aproximando e falou, rápido: "Mas eu sou famoso! Dali fez meu retrato!", ao que foi devorado. A galinha disse, com um certo ar de sapiência que fica obviamente deslocado nesta espécie de animal emplumado que não voa: "O gafanhoto está sempre errado ao argumentar com a galinha."
As formigas sacudiram a cabeça e voltaram à masturbação que chamavam
"pensar".
.'.
Num desses universos paralelos ocorreu o encontro entre Janis Joplin, Jimi
Hendrix e Jim Morrison. Eles passaram pelo mendigo, que berrou "Nuit! Hadit!
Ra-Hoor-Khuit!" e se colocou a fazer um discurso perante os três, que
acharam a "mó'curtição":
"Meu nome é Anaximandros. Sou um alquimista. Me ouçam: o elixir da longa
vida está sendo preparado. Estará disponível para todos em algum momento.
Não se apressem: A morte é o suave estalo do vinil que toca [nossos
ancestrais gravavam som transformando as vibrações do ar em vibrações
mecânicas registradas em uma ranhura contínua em um disco de plástico
posteriormente esta ranhura era percorrida por uma agulha que com a ajuda de um sistema eletrônico de amplificação - nos modelos mais modernos -,
retransformava a ranhura irregular em som; freqüentemente essas ranhuras
eram interrompidas por microfissuras, que produziam estalos ao serem
tocadas]. Em pouco tempo as mídias eletrônicas vão alterar a consciência da mesma forma que os psicodélicos. Ya know... a mudança de marcha das
informações altera a rotação no motor da mente, all this shit... As pessoas vão ficar loucas no deserto, esperando um novo camelo... Então a urbe será um deserto... ahh... a loucura que a sociedade romana encontrou em seu declínio... burp, crouch, nhéc, nhéc, tsssssssssss... Depois reciclar. Em pouco tempo tudo isto em um dia. E então em uma hora. Veremos então a Besta da Revelação e todas as histórias da carochinha pela Internet, TV digital, o escambau. Vidas serão vividas em minutos do pensamento de uma pessoa em uma cidade grande. Países inteiros serão condenadas pelo caos decorrente...
cuidado com as bolsas de valores... Em vinte três anos vocês serão chamados de Dinossauros! Programadores Cobol serão considerados tal qual camponeses medievais escrevendo em latim errado! Psicólogos estudarão porque certas pessoas não conseguem usar computadores! Ratos fluorescentes existirão! As próprias previsões do futuro serão ultrapassadas ainda neste século. A imortalidade virá num tempo confuso onde o poder vai ser muito fluido."
"Wow!" disse Janis, arrematando com um talagasso de Southern Confort. Jimi e Jim pegaram o cara e pagaram um café para ele. A noite foi legal, com muita Marijuana e poucas drogas pesadas. Foram ao "Scene", onde contaram muitas piadas e tocaram alguns Blues. Jim bebeu demais e capotou. O mendigo começou a cantar velhas canções irlandesas. Com o bom gosto de quem incorpora a língua de Joyce ao beber capotou também.
Algumas semanas depois os três tinham boas lembranças da noite que haviam
passado com um mendigo alquimista. O olhar do mendigo foi lembrado no dia da morte de cada um [em uma outra realidade o mesmo mendigo entregaria um
folheto "O FBI e a CIA assassinaram Jim Morrison, Jimi Hendrix e Janis
Joplin" para um moleque chamado Roger; ele ainda hoje não sabe se isso foi um fnord ou não].
.'.
"Estes pequenos animaizinhos frenéticos parecem os pensamentos, estes sempre ávidos por soluções, aqueles por alimento. O gafanhoto, sempre errado ao argumentar com a galinha, é um complexo." Disse Gala, a Salvador Dali, que não aceitava interpretação, mas que se mantinha frio. Afinal ele era senhor de todos estes elementos pictóricos que manipulava. Ou achava que era. Esta luta representava a dimensão de seu gênio. Congelamos essa imagem em preto e branco e Camille Paglia adentra a cena, em cores:
"A paranóia é um elemento belo independentemente de ser mórbido. Ela
representa o medo que temos de nos entregar para o que quer que rotulemos
realidade. Como se pode perceber, é um elemento de aprisionamento erótico:
medo por outro elogia. É o medo intelectual, ou o medo da castração.
Exorcizar a paranóia na tela deve ajudar muito o desempenho sexual. Tocar
guitarra é o ápice da masturbação glorificada na arte. Toda arte tem
elementos de masturbação e paranóia.
A crítica é a castração. Ela filtra os impulsos que não correspondem as
expectativas. As exigências são a voz do mundo, o impulso é a libido. Por
aqui se entende que se você quer diminuir realmente alguém, diminua seu
impulso criativo, sexual e expontâneo. Uma pessoa castrada não exprime.
O segredo de Dali era saber balançar tão bem a arte e o significado - ou a falta proposital deste. Desta forma rotulou seu método de paranóia-crítica, que direcionava o jato da expressão arquetípica e apessoal do autor através da rede de uma psique individual. Ao ver um quadro Dali se percebe que não só a Arte, mas o Homem eram geniais e interessantes, coisa que se pode comprovar com uma foto qualquer de Dali.
Este é o desejo de qualquer artista: aparecer, seja através da obra ou da
personalidade.
Dizem que Oscar Wilde era ainda mais espirituoso em suas conversas do que em seus livros. Ele utilizava o mecanismo que o incomodava, a moral, como um artista plástico usaria um pincel. Esta é uma das razões pelas quais
percebemos ainda hoje suas tiradas: elas formam uma teia de pequenas
neuroses e complexos referentes ao uso que se faz da moral. Elas ficam
gritando pequenas incongruências a respeito da sociedade ao nosso ouvido
[alguns chamariam de Fnords].
.'.
Não se assustem ao perceberem que o xamanismo trabalha também no lado
inconsciente do trabalho artístico. Expressar a si mesmo é tarefa básica do artista, em todo caso xamã. Por isto tratar com a moral os aspectos do
xamanismo é como limitar a arte ao conceito. A expressão deve estar acima do que o artista conscientemente quer, que dirá do que outro quer.
Isto é mais fácil em algumas artes do que em outras. Em alguns casos, como em livros, o xamã está restrito a carregar no mínimo alguns conceitos, quiçá teorias completas da criação do mundo. É peculiaridade do fato de escrever que criemos sons, palavras, idéias e mundos, mesmo na escrita mais abstrata.
Criticar o conceito de algum escritor é vão. Mas criticar a técnica
exagerada de um músico talvez não seja, pois se tornou comum a castração da expressão em detrimento de uma técnica precisa necessária para algum
compositor particular. Algumas músicas precisam de cultura musical para
serem totalmente apreciadas, outras carecem de complexidade (sempre gerada por extrema paranóia do tipo obsessiva) mas carregam a complexidade do caos, talvez gerado pela expressão inconsciente.
Argumentar em sexo e arte é sempre errado, a Galinha sempre come o
gafanhoto, roqueiros morrem de overdose e as causas e conseqüências na
verdade sempre são caóticas. O artista supera um abismo quando sabe que sua obra é aceita. O sucesso depende apenas da energia sexual.
.'.
Mas no final tudo isto talvez não passe de crítica... ou paranóia. Quem dera todos fossemos como Oscar Wilde ou Dali, não? Imagino o que seria o Dali de um mundo onde todos fossem Dali...

sábado, 22 de março de 2008

O Chaoismo!


Uma Introdução à
Magia do Caos
por Adrian Savage


Caos — a ausência de forma e ordem. Acima de qualquer outra palavra, o caos assombra o homem ocidental. Enche sua mente com visões de marés encontrando-se com rios, homens dando luz à rãs, peixes voando através de grossas nuvens. É o cerne inominado de todas as histórias de terror — o inesperado, o imprevisível, o incontrolável, o anárquico — Caos.

O homem ocidental, desde os primórdios de sua história, tem procurado derrotar um dos mais implacáveis de seus inimigos — o Caos. Procurou, por gestos e palavras , domar os desejos caóticos e arbitrários de seus primeiros Deuses. Criou a imagem de uma divindade toda poderosa, que não apenas trouxe ordem do nada, mas é a ausência da lei. Escolheu inumeráveis tiranos, preferindo a perda de sua própria alma à visão de cães correndo desenfreadamente em suas ruas. Examinou o mundo a sua volta, desejando encontrar leis inflexíveis. Quase destruiu as condições originais de seu planeta — os processos reais que tornam sua vida possível — de modo a controlar cada faceta de sua existência, freqüentemente sacrificando seus mais profundos instintos no altar de sua necessidade, por estabilidade. E, onde não podia encontrar ou impor ordem, delineou mitos, dogmas, especulações filosóficas difíceis de serem entendidas , fórmulas ocultas e teorias científicas estéreis, assassinando qualquer um que ousasse questionar tais fantasias — tudo para negar o terror que sente quando confrontado com o que não podem entender.

Do passado mais sombrio até hoje, a imagem do sábio, para aqueles homens, tem sido a de alguém que sabe a lei secreta escondida por debaixo do aparente mundo arbitrário a sua volta. Sua visão do mago tem sido a de alguém que poderia explorar aquela lei para subjugar, à sua vontade, o mutável evento da vida.

Do final dos anos 60 até o presente, contudo, vozes partindo da Inglaterra — o menos caótico dos países, lar de jardins bem tratados, chá das quatro, e de um sistema de classes que fixa o lugar de cada pessoa desde seu primeiro suspiro — proclamou o Caos como a única realidade, a verdadeira fonte de toda Magia. Irados, às vezes de forma estridente, esbravejam ameaças aos que proclamam a busca pela ordem divina. Eles veneram aquele que é omais antigo de seus inimigos — o Caos.

Para entender esta rebelião, devemos, primeiramente, explorar as tradições que a originaram. Já que nesta obra não podemos examinar a totalidade do pensamento ocultista, teremos que nos limitar às fontes mais relevantes a Magia do Caos.

Comecemos pela Europa Medieval. Foi durante este período que três ramos do ocultismo desenvolveram aquilo que ainda influencia o pensamento mágico ocidental — a Wicca, o Satanismo e a Magia Cerimonial.

Dos três o Satanismo é o mais fácil de examinar — e descartar. Face ao contínuo interesse da Igreja sobre o assunto, o Satanismo é o mais cuidadosamente registrado, e melhor pesquisado, dos três ramos. Seus conceitos básicos são, também, os mais simples: inversão completa das crenças cristãs. O Satanista realiza a Missa Latina às avessas, zombando dela. Exaltam a ganância ao invés da caridade, a revolta ao invés do perdão. Da mesma forma que o cristão vê o Cristo como um salvador pessoal, que recompensará com uma eternidade de bem—aventurança depois da morte, uma vida de despojamento servil, o Satanista vê o Diabo — quem , à propósito, o cristão identifica como sendo o inimigo da ordem divina, o Caos encarnado — como um salvador pessoal que o recompensará com o poder material e riquezas para deflorar a mulher de seu vizinho. Em ambos os casos, o objeto de veneração é visto como um mestre externo cuja vontade deve ser obedecida. Ao contrário da Wicca e da Magia Cerimonial , o Satanismo parece ter mudado pouco desde o dia de seu nascimento. Do início até o presente, sua corrente mais forte tem sido um clamor contra a moralidade sexual antinatural defendida pela cristandade. Na Idade Média, deve ter sido uma extrema e, certamente, perigosa forma de terapia para problemas sexuais. Nos anos precedentes, parece uma desculpa para reuniões e, talvez, um modo dos menos fisicamente atrativos de ganhar um número maior de parceiras sexuais. Assim que a Igreja parou de queimar seus defensores, o Satanismo teve uma postura de chocar o mais socialmente convencional. Isto é especialmente verdadeiro hoje, quando o Satanismo é o slogan de inúmeras bandas de Rock — um emblema para ofender os pais de adolescentes, agitar os seus já super—ativos hormônios, e acrescentar ilusão da realidade a gritos estridente e barulho infernal.

Ao contrário do Satanismo, até recentemente, a Magia Cerimonial não tem se apresentado como uma rebelião contra o cristianismo. Os Cerimonialistas judaico-cristão têm sido, de fato, cuidadosos em evitar qualquer coisa que a Igreja pudesse considerar herético. Freqüentemente eram homens devotados que sentiram que estavam explorando os mistérios mais profundos da fé cristã. Em seus rituais, invocavam a proteção do Deus dos Judeus e dos Cristãos e a ajuda dos arcanjos e anjos do panteão judaico-cristão. Se tivessem que evocar demônios, o faziam em nome do Senhor e somente chamavam aqueles diabos que Deus tinha ligado ao serviço da humanidade. Nunca foram perseguidos pela Igreja. Havia e há um forte preconceito de classe e sexual na Magia Cerimonial — seus praticantes têm sido tradicionalmente homens aristocratas. Esta tendência permeou todos os setores. Seus rituais eram destinados a entidades masculinas; eram longos, viáveis somente para os que tinham tempo disponível; eram na maioria das vezes em grego e latim e envolviam conhecimento de geometria e matemática, marcas da classe erudita, e requeriam túnicas garbosas e instrumentos que somente o rico podia sustentar. O mais sugestivo de sua tendência de classe era sua curiosa orientação científica. Como um cientista, os Cerimonialistas acreditavam que o efeito desejado só poderia ser atingido pelo uso dos instrumentos apropriados, no procedimento apropriado — qualquer desvio trazia o fracasso. Como o cientista — que sempre eram, diga—se de passagem — o Cerimonialista procurava conhecimento. Tendo pouca necessidade material, sempre procurava os segredos do Universo visível e do invisível, puramente pelo conhecimento. Apesar do Cerimonialista, na maioria das vezes, trabalhar sozinho, freqüentemente aprendia sua arte em uma Loja — ascendendo através de graus, guardando os ensinamentos secretos de sua própria estação, enquanto obedecia a seus superiores na esperança de eventual promoção. A estrutura hierárquica da Loja tinha um paralelo com a visão do Universo do Cerimonialista, todo grau representando um plano claramente definido que teria de ser completamente examinado e dominado.

Apesar de ter retido muito de sua tendência — Lojas, equipamento caro, visão hierárquica do Universo — ao contrário do Satanismo, a Magia Cerimonial evoluiu e modificou—se. Os agentes dessa mudança foram a Ordem Hermética da Golden Dawn e seu mais conhecido membro Aleister Crowley. A primeira mudança veio em relação às entidades as quais se dirigiam. Enquanto mantinham as hostes judaico-cristãs, a Golden Dawn também se dirigia a deuses do panteão egípcio e greco-romano, sempre trajando túnicas e adornos sugestivos das deidades invocadas. Depois que Crowley seguiu por conta própria, continuou a dirigir-se a antigos deuses. Mais adiante, ele negou a existência de um poderoso Ente Supremo no topo da hierarquia universal. Proclamou que o objetivo do Mago era "alcançar o Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião", satisfação de "verdadeira vontade", e a realização da própria divindade. Apesar de alguns magos terem sido influenciados pela própria obra de Carl Jung, que considerava todos os deuses como imagens arquetípicas projetados por um inconsciente coletivo, e por filosofia orientais, as quais mencionaremos mais adiante; outros teriam começado a tomar uma abordagem mais psicológica de seus trabalhos. Existe pouca dúvida de que Crowley acreditasse que o Sagrado Anjo Guardião fosse uma entidade externa à própria pessoa, uma das inúmeras inteligências operando de outras dimensões da existência. Para Crowley, a realização da divindade do mago não significa sua absorção no absoluto, significava a realização de sua linha de evolução individual. Incansavelmente, Crowley trabalhou — escrevendo novos rituais em Inglês, encontrando a Astrum Argentum e reestruturando a Ordo Templi Orientalis, adaptando conceitos orientais, sintetizando as várias tradições mágicas — Grega, Egípcia, Hermética, Cabalística e Maçônica — em um novo sistema, o qual publicou em infindáveis livros. À parte de trazer a Magia de volta aos olhos do público, a maior contribuição de Crowley foi sua franca admissão da verdadeira fonte do poder mágico — a energia sexual. Tendo proclamado abertamente o segredo, revelou ao escrivão o que se segue: reconhecendo o uso de drogas e indulgências orgiásticas para facilitar a entrada em estados alterados de consciência; desposando Thelema, a filosofia da absoluta liberdade pessoal (ou abuso de liberdade, como seus críticos o acusaram) e intitulando-se a "Besta 666", Crowley empenhou-se em chocar. Ao fazê-lo, ficou exposto a desnecessários mal entendidos e, em muitas esferas, foi estigmatizado como um Praticante Negro. A despeito de sua diabólica reputação, e não obstante a existência de idéias norteadas por uma tradição judaico - cristã - notadamente aquelas de Dion Fortune e Israel Regardie, ambos cabalistas — Crowley é amplamente considerado a fonte da qual flui toda Magia Cerimonial Moderna.

A Wicca, o terceiro ramo, é talvez a mais difícil de se descrever . Sem proporcionar desmedidos créditos a seus precursores medievais que a associavam com o Satanismo, os trabalhos de Margaret Murray, que levou em conta a religião do homem pré-histórico, e as geralmente auto-louvadas "tradições" de seus adeptos modernos, quase nada pode ser dito sobre seu passado. poucas coisas , entretanto, parecem , de pronto, notórias — a mais importante é que sob todos os aspectos a adepta da Wicca permaneceu em contraste com mo Mago Cerimonialista. Primeiro, e principalmente, a adepta da Wicca praticava uma religião oposta à cristandade, sem dúvida uma continuação das antigas crenças regionais, apesar de ser difícil dizer com certeza o que estas crenças eram. Por causa de sua rejeição do Cristo as Wicca eram assassinadas pela Igreja. Em uma era onde a Igreja e os Estado eram um, a tolerância religiosa era considerada o portão para a anarquia. Onde o Cerimonialista medieval era um homem aristocrático da cidade, o adepto da Wicca era sempre um camponês e, sobretudo, uma mulher; onde o Cerimonialista praticava sozinho, realizando complicados rituais em latim e grego, convocando Anjos e Demônios para ensiná-los os mistérios do Universo, as adeptas da Wicca comumente celebravam os fenômenos das mudanças das estações, entoando rimas simples de modo a assegurar melhor colheita ou um companheiro. O Cerimonialista praticava a mística "arte", a adepta da Wicca praticava "o ofício". Muitas destas diferenças continuam até os nossos dias. A moderna adepta da Wicca ainda trabalha numa convenção e, ainda que viva em um apartamento urbano e não tenha conhecimento de agricultura, ela ainda celebra a precessão das estações, entoando em verso para qualquer coisa que possa precisar. É difícil dizer onde a moderna Wicca difere de suas raízes medievais — bruxas hereditárias, descendentes das Wicca que sobreviveram aos "tempos das fogueiras", são incrivelmente reservadas sobre as crenças e práticas herdaram de seus ancestrais. Mesmo se elas não fossem, seria impossível dizer a quantidade de idéias originais que foram destorcidas, acrescentadas, e subtraídas, pois foram transmitidas de geração em geração. Portanto, é também impossível dizer quanto Gerald Gardner — o pai da Wicca moderna — preservou do passado e quanto, apesar de afirmar o contrário, ele realmente criou. Qualquer que seja o caso, da mesma forma que a maioria da moderna Magia Cerimonial flui de Crowley, a Wicca origina-se de Gardner. Ainda que os rituais de Gardner estejam repletos de simbolismo agrícola e, por extensão, aos praticados pelas modernas adeptas da Wicca, a maioria deles parece tanto com versões rimadas e simplificadas dos ritos Cerimonialistas, que existem rumores que atribuem a sua verdadeira autoria ao bom amigo de Gardner, Aleister Crowley. Ao contrário do Cerimonialista, contudo, o que distingue a Wicca moderna é o seu inexorável feminismo. As adeptas da Wicca veneram um Ente Supremo dual — um Deus, muitas vezes identificadas com o Sol, Marte, Pã ou Hórus, e uma Deusa, muitas vezes identificadas com a Lua, a Terra, Vênus ou Ísis. Sob todos os aspectos, a Deusa é considerada a dominante. Dá nascimento ao Deus, que é seu filho e consorte. É considerada eterna, enquanto o Deus sofre contínuas mortes e nascimentos, simbolizados pela marcha das estações. As fases da Deusa Lunar — crescente, cheia e minguante — são identificadas com as três fases do ciclo de vida da mulher — virgem, mãe, idosa. As idéias básicas são elaboradas numa variedade de aspectos. As mulheres são sempre consideradas mais sábias, mais fisicamente poderosas, e mais espiritualmente desenvolvidas que os homens e, apesar dos rituais das Wicca serem realizados por um sacerdote e uma sacerdotisa, a sacerdotisa sempre detém a autoridade absoluta. O sacerdote é sempre seu servo. Um observador versado em psicologia pode detectar nos rituais das Wicca uma sutil forma de sadismo feminino e masoquismo masculino. Muitas das Wicca advogam o Matriarcado — um sistema no qual a mulher detém , em última instância, o poder político. Ao contrário dos Cerimonialistas, que tendem a regular seus rituais de acordo com intrincados cálculos astrológicos, as Wicca realizam sua Magia segundo as fases da Lua — trabalhos de expansão são iniciados durante a Lua Nova, e culminam durante a Lua Cheia; trabalhos de contrição são feitos ao inverso. Identificando a Terra com a Deusa e procurando manter-se perto de suas raízes agrícolas, a Wicca moderna é muito interessada pela Ecologia. A Wicca hoje é altamente consciente de sua imagem, sempre jogando abaixo sua popular associação com maldições e orgias. Muitos trabalhos são feitos para o fortalecimento psíquico. Seu feminismo e preocupação com a opinião pública lhe dá uma única atitude perante o sexo — por outro lado, sua pretensa descendência dos antigos cultos de fertilidade e seu foco feminista sobre a sexualidade feminina força a recolhecer o sexo como uma fonte de poder mágico; por outro lado, sua atenção por aparências as fazem as campeãs da monogamia. A convenção perfeita de bruxas é composta de pares dedicados e profundamente comprometidos. Nenhuma orgia crowleana, por favor. Quanto ao Deus e a Deusa, a maioria das Wicca não são claras em relação a se eles devem ser considerados como aspectos masculino e feminino de uma única deidade, ou como duas entidades distintas. Apesar da Wicca Graça ter uma linha afirmando que a Deusa deve ser encontrada dentro de cada um, muitas Wicca a tratam como um ser externo. Começando com Alex Sanders, muitas se depreenderam do Gardnerianismo, formando infindáveis ramificações, quase todas mantendo a ênfase feminina. A Wicca moderna poderia ser chamada a religião do movimento de libertação das mulheres.

As três correntes do ocultismo ocidental descritas acima podem ser consideradas a ortodoxia — da qual a Magia do Caos deriva e contra as quais se rebela. Antes de poder explorar a Magia do Caos inteiramente, devemos parar brevemente para examinar quatro outras tendências que a influenciaram profundamente: o Jungianismo, a Parapsicologia, a Física, e a Filosofia Oriental.

Do trabalho de Carl Jung precisamos dizer pouco, exceto que sua teoria dos arquétipos — imagens universais que simbolizam as experiências humanas e aspectos da mente humana — determinou definitivamente a visão de todos os deuses da Magia do Caos. Apesar de que a maioria dos praticantes do Caos poder considerar a ciência como apenas um outro sistema, não podem ajudar, mas ser influenciado pelas pesquisas parapsicológicas, as quais sugerem que a habilidade psíquica pode ser função da mente humana — tornando possível a idéia de poder mágico sem assistência desencarnada. A física do Quantum, com suas partículas indeterminadas e, na maioria das vezes, teórica, deve encontrar um lugar confortável em seu coração. Mas a filosofia oriental é a sua maior fonte, e não podemos entender sua definição especial do Caos — uma pedra angular de suas idéias — e como difere da tradicional visão Ocidental, sem entender o pensamento Asiático.

Qualquer que sejam suas diferenças superficiais em terminologia e sua semelhança prática, as três grandes correntes da filosofia oriental — Hinduísmo, Budismo e Taoísmo — estão unidas ao proclamar que o Universo é um vasto, um todo mutável, além de todos os conceitos, categorias e definições. O Hindú o chama Brahman, e seu deus, como as teóricas partículas da física quântica, são meramente símbolos de seu aspecto cósmico. Para o Budista , é o Vazio — aquilo além de toda designação e descrição — e seu panteão de Budas e Bodhisattvas são, como os arquétipos jungianos, símbolos de estados psicológicos. O Taoísta simplesmente o chama Tao, o Caminho. Além disso, eles concordam que a natureza íntima do homem — que o hindú chama "Atma", o Budista "Nenhuma Alma", e o Taoísta "Sem Ego" — é identificado com aquele do Universo. Em todas as três religiões conhecer existencialmente estas duas coisas é considerado a Iluminação — liberação das visões e opiniões, todas as quais somente podem ser falsidade, servidão e ilusão.

Aqui reside a diferença entre as definições dos praticantes tradicionais e dos praticantes do Caos sobre aquela temível palavra — Caos. Para os praticantes do Caos, não é a ausência de ordem, mas — para parafrasear Henry Miller — uma ordem além da compreensão. É análogo ao Brahman Hindú, ao Vazio Budista, ao Tao do Taoísta, e ao Wyrd dos antigos anglo-saxões. Está em constante mutação — pode ser experimentado, mas está além de categorização intelectual. A ordem é, na melhor das hipóteses, o aspecto indescritível da realidade que nosso equipamento sensorial nos permite perceber — a abelha vê a flor de modo diferente dos seres humanos. Na pior das hipóteses, a Ordem é simplesmente um padrão ilusório projetado pelos nossos preconceitos. Para asserção de Albert Einstein que Deus não joga dados com o Universo, o praticante do Caos pode responder que o Universo é deus — se alguém tiver que usar tal palavra, que é emocionalmente carregada — e Ele é a única coisa com quem Ele pode sempre jogar. Desde que ele acredita que a realidade é basicamente indescritível, ele renuncia a todos os dogmas, tomando idéias práticas de todos os lugares, combinando-as conforme a situação, abandonando-as quando não mais se ajustam. Num Universo incognoscível nenhuma crença é válida — contudo, toda crença é válida enquanto que o adepto a reconheça como uma ferramenta, uma ilusão necessária, e enquanto ela continua a trabalhar para ele.

O modelo integral da Magia do Caos pode ser facilmente observado com um rápido vislumbre dos pensamentos de um homem que seus praticantes consideram o pai da Magia do Caos — Austin Osman Spare. Outrora membro da Golden Dawn e associado a Crowley, até que uma desavença rompeu a relação deles, Spare incessantemente denunciou a religião, a ciência e Magia Cerimonial. Seus ataques a todos os três eram baseados na mesma premissa: em um Universo que desafia descrição, todos os sistemas de crenças somente podem ser falsos. Desde que o homem é parte do Universo e, portanto, Deus, tudo que a religião pode lhe oferecer são falsos ídolos que o impedem de perceber sua verdadeira divindade. Desde o início Spare viu que a ciência é uma forma de religião, uma tentativa de designar o inominável, um sistema de categorias que rejeita tudo que não pode encerrar. A Magia Cerimonial, ele considerou como uma perda de tempo demasiadamente complicada — perpetrada sobre o ingênuo por charlatões gananciosos — que impede o homem de descobrir sua verdadeira fonte de poder, que está dentro dele mesmo. Spare pregou a necessidade absoluta de simplicidade em todos os trabalhos mágicos e, ao invés de prece e ritual, ele considerava como técnica mágica máxima a criação e meditação sobre o sigilo — um desenho pessoal de letras estilizadas expressando um desejo, ocultando-o, contudo, da mente consciente. Os Sigilos têm tradicionalmente, sido o desenho de talismãs mágicos, mas Spare afirmava que seus poderes não estavam intrínsecos às linhas e figuras do desenho — seus poderes vinham de seus efeitos sobre as camadas mais profundas da mente inconsciente. Portanto, cada uma deveria criar seu próprio desenho, o qual teria de ser suficientemente simples para ser facilmente visualizado e suficientemente complexo para que a mente consciente esqueça seu significado original.

Em seu trabalho sobre sigilização, nós observamos a influência Oriental nas idéias de Spare. Embora o Sigilo deva ser criado sob a influência de um ardente desejo, e deva ser visualizado e meditado enquanto a obsessão persistir, pode não ter efeito mágico até que tenha-se esgotado o desejo, esquecido o significado do Sigilo, e tornando-se completamente indiferente ao desejo e ao símbolo que ele representa. Para Spare, a meditação significa manter o Sigilo na imaginação até que ele gradualmente exclua todos os outros pensamentos e, então desbotar-se da consciência, deixando a mente vazia — o polo oposto para fixar-se a mente sobre um símbolo, avaliando seu significado, repelindo outras idéias, e focando toda sua vontade concentrada em sua realização. Qualquer um que tenha um conhecimento superficial do Tantra Hindú ou Budista reconhecerá isto como a prática do Tantrika, aqueles que realizam idênticas visualizações sobre os Yantras — desenhos geométricos representando forças cósmicas e psicológicas. Os Yantras são os modelos básicos por trás das Mandalas — e considera a satisfação de um desejo como um passo em direção ao desprendimento de todos os desejos.

Como se aquilo não fosse suficiente, o conceito de Universo de Spare parece com as idéias asiáticas reformuladas. O absoluto ele chamou Kia — uma palavra que não tem nenhum significado em nenhuma língua ocidental e assemelha-se à palavra japonesa "Ki", que significa o sopro vital por trás de toda a vida. Percebe o quão de perto as palavras de Spare ecoam naquelas de Lao Tzu. Spare: "De nome, não tem necessidade, para designá-lo, e eu o chamo Kia...o Kia que pode ser expresso em idéias concebíveis não é o Kia eterno". Lao Tzu: "o Tao que pode ser dito não é o Tao...Dele mesmo, não tem nome...por falta de palavra melhor, eu o chamo 'o Tao'". O Kia — que poderia tão facilmente ser chamado Caos — está além de descrição, um todo completo, sem partes divisíveis, um zero inconcebível. Contudo, ele se manifesta em dualidades aparentes — macho e fêmea, luz e escuridão, nascimento e morte. Na fórmula de Spare, do nada vem dois. Mas os pólos de cada dualidade não são absolutos neles mesmos; cada um é como um braço, unidos por um tronco, o qual neste caso não pode ser descrito. As dualidades sempre surgem juntas. Alegria emerge com angústia, fé com dúvida. Portanto, a mente não pode evitar o conflito e a contradição. A solução de Spare não é para escolher entre impulsos opostos, mas observá-los simultaneamente — um estado mental que fixa sua consciência, por exemplo, sobre a aurora e anoitecer, horas crepusculares que não são nem dia nem noite. "Nem-Nem" de imediato lembra o hindú "Neti — Neti", nem isto/nem aquilo, a dialética negação de Nargajuna pelo qual nada pode ser dito para existir ou não existir, a não escolha do eremita taoísta, e a percepção não discriminante do Mestre Zen. Ele também insistir que o ego permanece num estado de auto-amor — que não deve ser confundido com narcisismo — um estado onde é absorvido com felicidade na alegria de sua própria existência e não tem necessidade de exaltar-se continuamente por infindáveis conquistas e aquisições. Como diz os Upanishads: " Permita que o Eu (self) encontre refúgio no Eu (self)".

Durante sua vida, Spare — um artista brilhante, que produziu uma série de notáveis desenhos automáticos — nunca recebeu a atenção que foi dado a seu antigo companheiro, Crowley. Os pequenos comentários que faziam eram em sua maioria ruins. Os críticos de arte odiavam seu trabalho e muitos ocultistas, inclusive Crowley, o consideravam um Mago Negro. Suas idéias — que ele comunicou em pequenos livros, escritos em um estilo exortativo, denunciatório e declamatório reminescentes ao "Assim falava Zarathrusta" — foi apenas recentemente dada a consideração que eles mereciam.

Talvez este seja o mais alto cumprimento para um homem que detestava que aqueles responsáveis pela redescoberta de seu trabalho não o tomam como uma autoridade absoluta. Enquanto que Ray Sherwin, Julian Wilde, e "O Círculo do Caos" possam louvar o trabalho de Spare, o consideram o ponto de partida, uma influência sobre um precursor de suas próprias diligências. Ao contrário dos seguidores de Crowley, eles não transformaram Spare num "Asno Dourado". Os discípulos de Spare — como eles provavelmente odiariam este termo — diferem dele tanto quanto eles diferem de cada um deles. A maior diferença é que os sucessores de Spare, enquanto o criticam, não rejeitam ritual fora de controle.

Antes de nós analisarmos mais detalhadamente como a Magia do Caos difere do Ocultismo Tradicional, seria proveitoso uma breve revisão do trabalho dos praticantes que se tornaram conhecidos na América.

Do "Círculo do Caos", nós podemos dizer muito pouco. São uma coleção eclética de diversos ocultistas que reuniram-se em meados dos anos sessenta — até certo ponto em reação a crescente sectarismo e mercantilismo com o mundo do ocultismo. Criaram um conjunto de rituais tecendo diferentes elementos das tradições de vários de seus membros. Até então, tinham somente publicado um livro, The Rites of Chaos, com direitos em nome de "Paula Pagani". É uma coleção de rituais sazonais, celebrações rimadas dos tradicionais dias festivos da Wicca. Originalmente conhecido como " O Círculo Wyrd", o "Círculo do Caos" é basicamente em estilo da Wicca, se não completamente em substância.

Em seu sentido mais verdadeiro, o mesmo não pode ser dito de Julian Wilde. Ele se considera um Wicca Tântrico Xamânico e é exatamente tão eclético quanto esta designação subentende. Por sua própria conta estudou a Wicca, a Cabala, o Shamanismo, o Zen e o Budismo Tântrico Tibetano, usou o sexo, as drogas e o Rock n'Roll como auxiliares para alcançar o êxtase, e foi influenciado pelos apontamentos de Carlos Castañeda e Michael Moorcook. Seu "Grimoire of Chaos Magick" — uma fragmento de seu Livro das Sombras pessoal que ele tinha publicado como uma coleção de sugestões para almas da mesma opinião — é um livro delgado, ainda que extraordinário. Seu estilo é ainda mais feroz e denunciatório do que o de Spare. Suas invocações são versos livres, cheias de imagens notáveis transmitidas em uma linguagem bárbara, ainda que majestosa — entre suas linhas vislumbra-se um homem que sobreviveu a quase todo tipo de catástrofe pessoal. Como se para provar a sinceridade de compromisso ao ecletismo, seu livro contém ao mesmo tempo um áspero ataque sobre e um ritual de — Aleister Crowley. Wilde é o fundador da Igreja de Ka'atas, uma entidade que não existe no sentido legal e é somente um nome para aqueles que mais ou menos compartilham de sua visão. Ele é verdadeiramente, como descreve-se, um Guerreiro do Caos.

Ray Sherwin é talvez o mais convencional dos praticantes do Caos. Como membro da I.O.T. — uma Loja Inglesa que rompeu com a O.T.O. — é um mago Cerimonialista. Ao contrário de Spare e Wilde, seus livros são escritos em um estilo calmo e analítico, sistematicamente explorando pontos de interesse prático para o mago. Um ponto que merece atenção é que a I.O.T. — ao contrário de outras praticantes do Caos — considera o Caos como o fim de uma dualidade, o outro fim sendo Cosmo/Ordem. Sherwin não parece concordar plenamente com esta visão, mas não a rejeita completamente, tomando uma postura de talvez sim/talvez não.

Após uma visão geral da Magia do Caos, agora iremos examinar detalhadamente como seus praticantes diferem do ocultismo ortodoxo e um do outro. Infelizmente, teremos de limitar a maior parte desta discussão à visão de Spare, Wilde, e Sherwin, já que o "Círculo do Caos" somente publicou rituais sazonais.

A Fonte de poder: O que o mago considera como fonte de seu poder determina o resto de sua prática. Obviamente, o Satanismo acredita que seu poder é um presente de seu mestre, o Diabo. O Cerimonialista acredita que seu poder deriva , por meio de uma série de entidades astrais, em última instância do Senhor das Hostes, o Deus mais elevado — um crowleano dia que somente os seres astrais existem e dão poder. E as adeptas da Wicca colocam sua fé na Deusa, no Deus, e nos elementais. Mas, todos os praticantes do Caos concordam que as energias ainda não descobertas no subconsciente humano são a verdadeira fonte da Magia. Eles compartilham esta visão com a filosofia Oriental, com a parapsicologia e com modernos teóricos da Magia, como Issac Bonewitz.

Os Exercícios Preparatórios: A maioria das tradições mágicas contêm um corpo de exercícios delineados para abrir o noviço às influências mágicas , as quais devem ser dominadas antes de lhe ser permitido prosseguir para o trabalho Ritualísticos. Sem dúvida, o Satanismo considera algumas orgias e umas poucas centenas de libra da erva mais forte que possa comprar, suficiente para a tarefa. Tanto as modernas adeptas da Wicca como os Cerimonialistas concentram-se na projeção astral e na visualização — usualmente sobre os Tattwas e sobre os Arcanos Maiores do Tarot. Spare, por outro lado, coloca toda ênfase sobre a postura da morte — na qual relaxa-se totalmente o corpo e mantém-se a mente o mais vazia possível pelo maior tempo possível, uma prática vantajosa para desenvolver a condição mental de "Nem - Nem". E Wilde criou todo um novo conjunto de exercícios. O mais interessante deles é uma meditação , baseada no Tantra Tibetano, na qual visualiza-se o corpo fundindo-se completamente e então reconstruindo-se do nada, e outra meditação na qual visualiza-se os chakras — centros psíquicos dispostos um sobre o outro na espinha dorsal, um conjunto yogi — como salas modernas conectadas por uma escada espiral. Fiel à forma, Wilde diz que não precisa acreditar na existência literal dos chakras. O aspecto notável de todos estes exercícios é que eles tentam colocar o praticante em contato com o seu eu (self) mais profundo — não com entidades externas ou planos.

A Adivinhação: Usualmente, o próximo passo no treinamento do noviço é o aprendizado dos vários métodos de predizer acontecimentos vindouros. As adeptas da Wicca tendem a concentrar-se no Espelho Mágico, na Bola de Cristal, e ocasionalmente na leitura de padrões das folhas de chá ou coisa semelhante. Tanto os Cerimonialistas como as Wiccas dão grande importância ao Tarot. Modernamente, o I Ching e as Runas tornaram-se popular, e ultimamente a tábua Ouija está sendo redescoberta. Os ocultistas medievais pensavam que os métodos divinatórios eram canais pelos quais os Deuses, Semi-Anjos, e espíritos comunicavam-se com os homens. Mesmo Crowley acreditava que suas operações dependiam das inteligências astrais. Embora ainda haja aqueles que mantém-se fiéis a visão antiga, os praticantes mais modernos consideram os mecanismos de adivinhação como meios de focar a mente consciente, permitindo ao subconsciente apresentar seu conhecimento do futuro. Todo praticante do Caos concorda com a visão moderna. Wilde leva isto um pouco mais além sugerindo que a quiromancia e a astrologia, as quais a maioria dos ocultistas consideram como "ciências" objetivas, também são mecanismos de focalização. Para Wilde — que desenhou sua própria versão dos Arcanos Maiores do Tarot para seu uso particular — a disposição dos planetas num horóscopo ou as linhas na palma da mão provavelmente não tem outro significado senão aquele que ele sugere para as faculdades psíquicas do intérprete.

Iniciação: em todas as tradições ocultas, Ocidental e Oriental , a iniciação é considerada a morte do antigo ser e o simultâneo nascimento da Pessoa Mágica. Geralmente, é então que o poder mágico é conferido — na tradição Oriental, pelo instrutor — ao iniciado durante a cerimônia. Os praticante do Caos têm uma visão mais complexa do processo. Para Spare, a iniciação era quase tanto uma farsa como qualquer outra cerimônia. Sherwin e Wilde concordam que em uma iniciação propriamente dita não significa mais do que a aceitação dentro de um grupo particular de praticantes. Wilde toma a visão Shamanística de que a iniciação real é um produto de uma severa crise pessoal — pego numa situação da qual não há nenhuma via normal, de escape, o indivíduo convoca espontaneamente um poder desconhecido de seu subconsciente. Ao mesmo tempo concorda com a visão de Wilde, Sherwin acredita que é da responsabilidade do grupo de iniciados produzir artificialmente uma crise controlada no iniciado — uma prática empregada pelas antigas escolas de mistério do Egito, da Grécia, e de Roma, e das ordens maçônicas.

Ritual e Cerimônias: Os praticantes tradicionais da Magia entendiam o ritual com uma ação que agradava tanto aos Deuses que eles consentiriam com o pedido do realizador como que uma forma de retransmissão de circuito cósmico em direção a um objetivo específico. Aprender cada detalhe da cerimônia sempre foi considerado de suma importância para o sucesso da operação — um erro significaria um fracasso. A Wicca moderna, entretanto, reconhece que a intenção determina a eficácia do rito mais do que a perfeição de sua forma. A Magia do Caos concorda com a Wicca moderna — e, outra vez, vai um pouco mais além. Wilde e Sherwin consideram o ritual como uma forma de teatro, desenhado para incitar a emoção do realizadora um nível febril e, então, descarregá-lo para fora — uma catarse que deixa o mago drenado da obsessão e coloca sua mente no estado neutro "Nem — Nem" de Spare. Eles acreditam que a Magia não pode realizar seu trabalho enquanto a consciência do mago desejar que a operação tenha resultado. A fim de conseguir o seu desejo, não deve ser por muito tempo seu desejo. Ao contrário das várias tradições Cerimonialistas e de praticantes da Wicca, todos os quais empregam métodos específicos de dispor um círculo, cada um deles afirmando que seu modo é o único correto — Wilde, Sherwin, e o Círculo do Caos aconselham ao praticante de dispor seu Círculo da forma que preferir. Enquanto que os Magos tradicionais de todos os gêneros exigem que os rituais realizados para fins específicos devem ser executados com os incensos , óleos e velas coloridas apropriadas, Wilde sugere a utilização dos incensos mais alucinantes e de velas de cores mais berrantes que se possa encontrar — para todos os rituais. Também sugere a visualização de vários animais como Guardiães do Círculo, ao invés dos tradicionais Senhores dos Elementos. Sherwin sugere tanto a visualização de seres do espaço, trajando as indumentárias apropriadas, ou objetos sexuais nus nas quatro atalaias. Acreditando que a fonte do poder reside no praticante, Wilde sugere que o Mago excite sua ira, ódio, loucura, mágoa e, especialmente, ardor — sugerindo que antes do ritual ou masturbe-se ou seja felado por alguém, parando, antes do orgasmo, poupando a liberação sexual até o ponto mais alto do rito. Ele acredita que preces de súplicas aos deuses deveriam ser compostas espontaneamente no ponto mais alto do ritual. Sherwin, por outro lado, refuta a teoria que os rituais específicos deveriam ser realizados em períodos específicos, ponderando que nem todas as pessoas são notadamente afetadas pelas fases da lua e que as tábuas designando certos dias e horas para certos planetas foram desenhadas antes da descoberta de Netuno, Urano e Plutão e estão, portanto, invalidadas. O melhor momento para realizar um ritual é quando a necessidade e a oportunidade se apresentam.

Os Deuses do Caos: Como os praticantes do Caos consideram seus deuses como projeção de sua própria mente, sua atitude frente a eles é eclética e os Magos ortodoxos diriam — irreverente. O Grimório de Wilde relaciona um potpourri de divindades de uma miscelânea de panteões. Ele diz que os Deuses podem ser adaptados das palavras de escritores tais como Tolkien, e mais além afirma que qualquer Deus que não proporcione um mínimo de utilidade deveriam ser esquecidos. De modo geral, os praticantes do Caos preferem concentrar-se em deidades recém redescobertas ou recém criadas. Dentre as redescobertas algumas favoritas são Baphomet, um deus cornígero andrógino que, no século XII, os Cavaleiros Templários usaram como um símbolo Cabalístico, foi descrito no século XIX por Eliphas Levi, e é considerado por Wilde como a síntese total de todas as forças universais e a personificação do Caos ativo. Outro favorito é Eris, Deusa da Discórdia, uma divindade grega muito esquecida que foi considerada (na "teogenia" de Hesíodo) como sendo a mais selvagem metade feminina de Eros, o Deus do Amor. Para os gregos antigos, Eros e Eris juntos condensavam uma Afrodite andrógena. O Círculo do Caos reverencia a Thataneros — uma divindade criada por Thessalonius Loyola — que representa o princípio freudiano de Sexo e da Morte. Wilde criou K'atas — um velho sábio orientais de olhos verdes, que funciona como um guia calmo através de um temporal caótico. Levando a teoria do Caos ao extremo, pode-se dizer que um herói de revista em quadrinhos como o SuperHomem pode ser o melhor protetor de alguém que possa sentir qualquer afinidade com um deus guerreiro clássico como Marte.

Os Trabalhos Mágicos: Ao contrário de Wilde, que não tinha nada de novo a acrescentar às técnicas da Magia Prática — ele sugere que se compre encantamentos tradicionais e candle-burning books e adapte seus ensinamentos a sua necessidade. As experiências de Sherwin o levaram a algumas inovações interessantes. Como se para enviar um tremor através do corpo de Spare, Sherwin sustenta que os sigilos são melhor visualizados por meio de intensos rituais. Tomando ainda mais além o trabalho de Spare, Sherwin acredita que se poderia extrair certas sílabas das sentenças que foram sigilizadas e então entoá-las como uma espécie de mantra sem sentido enquanto se medita sobre o sigilo.

Como podemos ver, os praticante da Magia do Caos são unidos e distintos uns dos outros pela sua ênfase na experimentação e experiência individual. A Magia do Caos não é um tipo novo ou diferente de Magia. É um conjunto de princípios de trabalho — alguns novos, outros antigos, — os quais o praticante individual pode reintepretar criativamente para adaptá-lo suas próprias necessidades.

Que tipo de efeito tal abordagem personalizada terá sobre o ocultismo americano é difícil de dizer. Quem pode prever o Caos? Pode muito bem encantar o individualismo americano. Pode comprovar uma ponte útil entre o Ocultismo Oriental e Ocidental — uma ligação que no passado foi sabotada pela procura do bajulador homem branco liberal pelo selvagem exótico — a atávica incapacidade do homem branco conservador em aceitar a sabedoria de qualquer um que não se pareça com ele ou possua sua tecnologia, e o complexo de inferioridade que leva os professores asiáticos a tratar os Ocidentais como ricos atrasados. Na pior das hipóteses pode comprovar somente outro slogan expelido pelos mentecaptos Mohawks que, sendo tão estúpidos para ver o verdadeiro Caos na ordem do dia a dia, invoca o Caos ao quebrar as garrafas de cerveja na calçada e vomitando na entrada das outras pessoas. Até mesmo a possibilidade ameaçadora é tolerável, contudo, se a Magia do Caos silenciará às declamações dos maxi Wicca matriarcais, finaliza a necessidade de autenticar as tradições antigas que foram criadas dois dias depois por bruxas com mentalidade étnica, e põe fim ao incessante debate alimentado por facções ocultistas rivais sobre quantos planos a realidade possue e qual é o verdadeiro esquema de cor com que a magia deve trabalhar — todos os quais atualmente dominam o ocultismo Americano. Se a Magia do Caos pode parar os Cerimonialistas americanos de lamber os pés de suas estátuas de Aleister Crowley...mas, talvez algumas coisas são demais para de desejar.

Não importa. Qualquer coisa que possa advir, os Ingleses estão nos invadindo de novo.

Agora seu estandarte diz:
O Caos Domina

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Apertando o Gatilho Cósmico.

“E se o que eu proponho neste livro realmente é verdade, então eu estou apertando um gatilho cósmico?” Robert K.G. Temple,The Syrius Mystery. A entrada no novo milênio trouxe novamente à tona 2001, Uma odisséia no espaço, um dos clássicos de Stanley Kubrick. Típico da febre espacial dos 60/70, 2001 espelha o mesmo imaginário space age que gerou, entre outras coisas, a hipótese de migração espacial humana ou as teorias de imortalidade e prolongamento da vida, pelos defensores da criogenia. Que alguns destes sonhos tenham sido vislumbrados pela comunidade científica no bojo da exploração espacial americana não é nenhuma novidade. Surpreendente mesmo é descobrir que muitos deles na verdade surgiram no seio da contracultura americana, isso mesmo, no lado oposto do establishment acadêmico-político, estimulados por uma de suas visões mais originais e pirantes. Segundo esta hipótese visionária, estaríamos no limiar de uma mudança evolutiva que englobaria a física avançada, estudos psicodélicos e a hipótese de vida fora da Terra. Robert Anton Wilson, o sintetizador dessa influente visão, o cara que linkou tantos dados diversos, é hoje cultuado tanto por cyberteóricos, freaks do Sillicon Valley, extropianos e crionistas, como por anarquistas, conspiradores, magos do Caos e ativistas contraculturais. Entre outros, o autor de quadrinhos Grant Morrison, o crítico cultural Erik Davis, o anarco-sufi Hakim Bey ou, quando estava vivo, o cultuado escritor Philip K. Dick. Robert Anton Wilson é uma dessas figuras que são referência básica para entender uma época de transição e mudança de valores como foram os anos 60-70 e como, ao que tudo indica, se configura o início do terceiro milênio. E não apenas por sua atualidade, em consonância com as pesquisas em torno de uma SuperInteligência ou Cérebro Global conectando tudo, ou mesmo o boom de teorias conspiratórias no fim dos anos 90, o fato é que Wilson sintetizou, melhor que ninguém, os insights mais penetrantes da pesquisa psicodélica de seus contemporâneos, unindo estudos de magia sexual, meditação, física quântica, circuitos mentais e sufismo, visando fornecer uma visão de mundo que preparasse o ser humano para mudanças evolutivas de percepção e existência. Por outro lado, seus livros normalmente nos enredam numa teia de estudos, fatos, coincidências, que começam a ter um sentido que mescla reflexões científicas com dados míticos, simbólicos e auto-biográficos, numa rede sincrônica e conspiratória. Tendo trabalhado como editor associado da Revista Playboy (66-71) e sempre lidando com temas fronteiriços em livros como Sex and Drugs, Wilson teve acesso em primeira mão aos manuscritos de William Burroughs para Almoço Nu e foi amigo de Alan Watts e Timothy Leary, com quem chegou a escrever alguns livros. Wilson entrevistou Leary na lendária casa de Millbrook, e visitou-o diversas vezes no período de prisão da década de 70. É dessa época que data a estória de um de seus livros fundamentais, Cosmic Trigger (1977, And/Or Press) ou Gatilho Cósmico, a pedir uma tradução urgente em português. Cosmic Trigger é um livro muito especial, em vários aspectos. De leitura fluente e bem humorada, nada nele, no entanto, é muito o que parece. Ensaio científico, biografia, tese conspiratória, piração, Cosmic Trigger tem de tudo um pouco. Nele Wilson nos envolve em suas indagações sobre a seita secreta dos Illuminatti e conexões que esta e suas congêneres, como os sufis ou a Golden Dawn, teriam com a estrela Sírius B. No caminho, passa por autores, acontecimentos de sua vida, teorias, números, símbolos, sinais, contatos, que pouco a pouco nos prendem numa trama incrível de coincidências. O título vem de uma indagação de um astrônomo inglês, Robert K.G. Temple, sobre o impacto de seu livro, The Syrius Mystery, que levantava hipóteses de vida na estrela Syrius B. Entre outras coisas, Temple especulava sobre conhecimento que os egípcios e a tribo africana dos dogons teriam da estrela, muito antes de sua descoberta por astrônomos na segunda metade do século 20, uma vez que esta é invisível a olho nú. As teses de Temple conectam Wilson ao que ele chama, segundo o Dr. John Lilly, de Centro de Controle da Coincidência Cósmica, que começa a linkar os estudos e acontecimentos em que Wilson nos conduz. A magia tântrica e os escritos de Aleister Crowley, os paralelos entre várias seitas secretas e os Illuminatti, o encontro de Wilson com um “mescalito”(gnomo ou alien), as teses sobre abduções extraterrestres do Dr. Jacques Vallée em The Invisible College, o número 23 sugerido por William Burroughs, a meta-programação mental proposta pelo Dr. John Lilly, os ensinamentos de autoconhecimento do místico George Gurdjieff, a conspiração em torno de Wilhelm Reich, a sincronicidade de Jung, tudo tem um ponto nodal, um nexo de ligação no Gatilho Cósmico. Seja através da recorrência constante de símbolos como a estrela Cão, o deus Hórus e sua cabeça de falcão ou fênix, o olho-na-pirâmide, ou o anagrama dog-god, seja na Rede invisível que Wilson vê ligando o assassinato do Presidente Kennedy, a vida de seus amigos fundadores do Discordianismo ou mesmo de Uri Geller, a cadeia de coincidências de Cosmic Trigger pouco a pouco nos coloca dentro de um mundo interconectado de temas que se repetem, beirando o que Wilson chamou de Capela Perigosa (Chapel Perilous), onde se está no meio do mistério e dentro dele. Toda essa trama pop-conspiratória é também a estória de Wilson, que nos conta tudo com a naturalidade de uma conversa casual. De uma maneira muito divertida, Wilson incorpora as personas mais diversas como o Cético, o Libertário ou o Xamã. A idéia da Rede, que lhe fora sugerida pela esposa de Alan Watts, Jano, e que ecoa a teoria bootstrap (de uma teia da vida) de Fritjof Capra, serviria para desvelar os sinais cada vez mais frequentes de que estaríamos à beira de uma intensa mudança evolutiva. Mais que isso, comprovaria, desde milhares de anos atrás, o contato da humanidade com entidades extraterrestres. Isso se afiguraria no conhecimento arcano de diversas seitas e grupos secretos ao longo da história, fossem eles persas, egípcios, babilônios, neo-platônicos, sufis ou gnósticos. O desenrolar dos fatos chega ao pico da sincronicidade em 73. Numa experiência meditativa com Sirius B, no período entre julho e agosto - tido pelos egípcios como de maior probablidade de contato com a estrela - a projeção astral o leva até Timothy Leary. Este, estando preso e impossibilitado de contactá-lo, aparecerá meses depois com os relatos das Starseed Transmissions. Leary teria realizado, nos “dias de cão” de julho-agosto de 73, sessões de telepatia com mais três pessoas para buscar contato com alguma inteligência superior. As “canalizações” resultantes destas sessões teriam sido sumarizadas nas “Transmissões da Semente-Estrela” (não confundir com o livreto do mesmo nome do médium Ken Carey, datado de 78-79). As Starseed Transmissions diziam, entre outras mensagens: “O objetivo da evolução é produzir sistemas nervosos capazes de se comunicar e retornar à rede galáctica onde nós, seus pais interestelares, os esperamos.” “Vocês estão para descobrir a chave para a imortalidade na estrutura química do código genético, dentro do qual vocês vão encontrar a escritura da vida.” “Vocês descobrirão a chave para a inteligência incrementada dentro da química do sistema nervoso”. “Total liberdade, responsabilidade e harmonia interespécies farão a viagem possível.” Frases como essas, verdadeiros vírus de linguagem ou memes, como as emissões em VALIS, de Philip K. Dick, fazem das Starseed Transmissions um precioso documento de época e podem ser contrapostos no mesmo zeitgeist que gerou 2001. Pertencem à fase menos lembrada de Timothy Leary, entre a época áurea do LSD e sua mais recente faceta cyberpunk. Vemos, à epoca de Starseed, Leary defendendo a famosa sequência SMI2LE, uma transformação evolutiva que nos prepararia para a Migração Espacial(SM), Inteligência ao Quadrado (I2) e Extensão da Vida(LE). Leary se voltaria neste período para a busca de uma evolução que nos permitisse viver no espaço sideral e manter contato com entidades alienígenas. A sincronicidade das experiências de Wilson com as “canalizações” de Leary e seus três auxiliares só parece confirmar as suspeitas do autor de Cosmic Trigger. Mas a espiral de acontecimentos reserva uma tragédia para Wilson. A morte de sua filha muda radicalmente sua vida, marcando o início de uma fase de reflexões profundas, que perfazem a segunda parte do livro. O gatilho cósmico agora é acionado num novo nível. Com os dados recolhidos ao longo do percurso, Wilson parte para a análise. As evidências de contato e conhecimentos ocultos sobre Syrius ao longo da história são interpretadas nos diversos pontos nodais entre fatos e dados coincidentes. Valendo-se da física quântica, Wilson então aprofunda sua hipótese de contato estudando o Teorema de Bell, formulado como resposta à demonstração do efeito de Einstein-Rosen-Podolsky(ERP). O ERP pretendia invalidar a fisica quântica, demonstrando a impossibilidade de certas partículas estarem em contato instantâneo mesmo se em pontos opostos do universo. O Teorema de Bell sugere três interpretações possíveis ao efeito ERP: A mecânica do Quantum falha e/ou a objetividade falha e/ou falha a localização. As alternativas de realidade derivadas do Teorema permitiriam pensar em possibilidades como viagem no tempo, psicocinese, realidades paralelas, comunicação extraterrestre, conexões sincrônicas e acasuais, entre outras. Sob esta perspectiva, nada do que Wilson relatara e presenciara na primeira parte do livro ficaria fora das possibilidades da física quântica avançada. Louco demais, Broder? A física quântica explica. Pra detonar de vez, Wilson salta do terreno da especulação científica para o coração da pesquisa psicodélica, com o estudo que Timothy Leary fez sobre os oito circuito mentais do ser humano. Esta parte, disponível em português no Rizoma, enfoca o cerne da evolução visionária projetada por Leary para o homem do futuro. O uso evolutivo dos dois hemisférios cerebrais, as transformações neuro-elétrica, neuro-genética e neuro-atômica, entre vários outros “pontos de mutação”, permitiriam nossa subida às estrelas. Esse visionarismo tecno-psicodélico participa do espírito futurista do pós-guerra americano tanto quanto a criação mesmo da Nasa, a arquitetura utópica de Paolo Soleri, o projeto Biosphera (que começou como projeto privado para a colonização de Marte), as sociedades criônicas da Califórnia pesquisando a imortalidade ou toda a recente obsessão por fenômenos ufológicos. Mas o que torna a tese dos “oito circuitos mentais” absolutamente revolucionária é o conceito de drogas como tecnologias mentais, muito antes das recentes investidas no assunto de cyberteóricos como Sadie Plant em Information War in the Age of Dangerous Substances. Na visão de Wilson, psicoativos como LSD ou Ketamina poderiam incrementar um processo de desprogramação (desfazendo “túneis de realidade” egóicos) que nos permitiria dar o “salto quântico” da evolução. Wilson não pára por aí. O número de circuitos mentais, oito, teria uma estranha recorrência em várias doutrinas, como na pitagórica e sua Lei das Oitavas, na oitava de energia dos místicos, nos 64(8x8) hexagramas do I-Ching, na cadeia de 64 codons de DNA, nos múltiplos de 8 da geometria sinérgico-energética do arquiteto visionário Buckminster Fuller, ou nas oito famílias de Elementos da Tabela Periódica de Mendeleyev. Essa constante referência à oitava foi aprofundada por Leary e Wilson em dois outros livros(The Periodic Table of Evolution e The Game of Life) conectando a númerica na cabala, no tarô e no zodíaco. Seu estudo comparado permitiria à ciência, de acordo com seus autores, encontrar um código que traduzisse símbolos tradicionais do ocultismo em categorias científicas e operacionais. Fugindo da dicotomia espiritual/material, e além dos dualismos da lógica grega e da teologia cristã, Wilson chegará até uma das mais originais sínteses contemporâneas do científico com o espiritual, a tese defendida pelos irmãos Terence e Dennis McKenna em The Invisible Landscape. A hipótese do mundo holográfico, o cálculo das escalas de tempo de acordo com os 64 hexagramas do I-Ching, o “despertar cósmico” (escathon) de 2012, como o ponto Ômega de Theilhard de Chardin, e sobretudo a ação de psicodélicos abrindo para centros neurais superiores a informação quântica dentro do DNA, são todos pontos da teoria dos McKenna que parecem essenciais para linkar a imensa rede traçada em Cosmic Trigger. Que as investigações de Wilson tenham rendido mais dois gatilhos cósmicos(Cosmic Trigger II e III) e duas séries super-cultuadas de ficção científica (as trilogias Illuminatus! e Schrödinger’s Cat), só parece demonstrar que o mistério talvez seja maior do que seu autor imaginasse. Se essa busca ainda não levou Wilson para as estrelas, ao menos lhe proporcionou uma significativa legião de cultuadores, entre anarquistas, artistas, místicos, cientistas e curiosos responsáveis pelas sucessivas reedições de Cosmic Trigger. Mas o quê, fora as ousadas e argumentáveis hipóteses levantadas por Wilson, tem feito do Gatilho Cósmico um objeto de culto tão especial dentro da contracultura, a ponto de Erik Davis (estudioso do pós-humanismo contracultural e autor de Techgnosis) colocá-lo como um marco num anti-cânone libertário e iconoclasta que estaria se cristalizando - muito embora já exista de longa data - na esteira da mudança de paradigma preconizada na ciência? Como já foi dito antes, nada no livro é muito o que parece. Pois bem, à medida que nos coloca em sua cadeia de coincidências, nessa espécie de raciocínio que muito adequadamente cunhou de “ontologia de guerrilha” (e que fez dele o Dr. Conspirologia por excelência), Wilson vai pouco a pouco desconstruindo, minando nosso sistema de crenças. Nossa percepção do mundo. O que acreditamos ver e o que realmente vemos. As noções de realidade de acordo com a ciência mecanicista, que, como também acredita Fritjof Capra, ainda determinam boa parte dos pressupostos racionais que temos sobre como o mundo “funciona”. A monitoração do imaginário efetuada pela mídia. O Ego e nossa existência no mundo de acordo com condicionamentos emocionais. Ou seja, como diz uma epígrafe do livro, “tudo o que você sabe está errado”. Toda essa “dissonância cognitiva” gerada em Cosmic Trigger, espécie de desprogramação subliminar acompanhando seu desenrolar - e que corresponderia ao desvelar das “portas da percepção” conforme Blake e Huxley, ao desregramento dos sentidos por Rimbaud, ou ainda à superação do Ego de acordo com o misticismo oriental - tem, como em Matrix, o efeito de um desvelar gnóstico. Seria o caso de pensar aqui não em uma gnose no seu sentido mais tradicional, muito embora a analogia aqui seja bastante cabível, mas no sentido mais atual de uma tecnognose, como pensada por Erik Davis, uma gnose tecno-evolutiva, nos conectando à rede sincrônica da Supermente ou Logos no pleroma intergaláctico. Muito anteriores ao surgimento da Internet, o pensamento interconectado de Wilson e sua noção de uma rede linkando todas as coisas guardam semelhança tanto com a tradição hermética da Tábula de Esmeralda (“o que está em cima é como o que está embaixo”), do pitagorismo, dos neo-platônicos primitivos e renascentistas, da coincidentia opositorum de Giordano Bruno, das “correspondências” de Swedenborg e Baudelaire ou das analogias de Charles Fourier, quanto com os mais recentes fractais de Mandelbrot (Teoria do Caos), os rizomas de Deleuze e Guattari ou os pontos nodais de William Gibson. Sendo ao mesmo tempo tradicional (no sentido da traditio hermética) e extremamente contemporânea, a tecnognose de Cosmic Trigger, com toda sua desconstrução do ego ocidental, advoca um tipo de irônica esquizofrenia, como nos diz Erik Davis em Techgnosis, um ying/yang de ceticismo e imaginação que mantém a mente sempre numa encruzilhada, posta entre o sim e o não. Que seja esse o mesmo espírito a guiar a prática de magos do caos, e que gerou a inflação de teóricos da conspiração nos anos 90, não é de estranhar. Para terminar, ninguém melhor que Timothy Leary para definir com precisão a “bruxaria de laboratório” de Wilson, no prefácio do livro: “Este Livro, Cosmic Trigger , e seu autor, Robert Anton Wilson, podem melhor ser entendidos como modernas ligações com esta cadeia ininterrupta de filósofos alquímicos e Agentes de Inteligência que aprenderam sistematicamente como acionar e sintonizar seus próprios sistemas nervosos e (via auto-experimentos bioquímicos internos) aprenderam como converter, via RNA, com seu próprio DNA, decifrar a Pedra Rosetta genética e pegar conhecimento experiêncial direto do processo evolucionário”. Captou?

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Fátima

Vocês esperam uma intervenção divina
Mas não sabem que o tempo agora está contra vocês
Vocês se perdem no meio de tanto medo
De não conseguir dinheiro pra comprar sem se vender
E vocês armam seus esquemas ilusórios
Continuam só fingindo que o mundo ninguém fez
Mas acontece que tudo tem começo
E se começa um dia acaba, eu tenho pena de vocês
E as ameaças de ataque nuclear
Bomba de nêutrons não foi Deus quem fez
Talvez alguém um dia vai se vingar
Vocês são vermes, pensam que são reis
Não quero ser como vocês
Eu não preciso mais
Eu já sei o que eu tenho que saber
E agora tanto faz...
Três crianças sem dinheiro e sem moral
Não ouviram a voz suave que era uma lágrima
E se esqueceram de avisar pra todo mundo
Ela talvez tivesse nome, era Fátima
E de repente o vinho virou água
E a ferida não cicatrizou
E o limpo se sujou e no terceiro dia
Ninguém ressucitou...

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Insanidade!

Momentos Estranhos, uma Realidade Estranha.

Quando se pensa que não pode cair mais do ponto onde está, o engano se instala.
A queda é ainda muito maior.
Se eu me achava sozinho antes é pq ainda não havia imaginado esta realidade tão desesperadora, pq agora realmente sei o que é estar sozinho.
Me sinto estranho... Realmente vejo algo de innsano no fundo de minha alma...
As vezes eu perco a noção da realidade e não consiogo identificar mais as coisas como familiares...
Tudo é estranho aos meus olhos...
As vezes me vejo formatando outras realidades, devaneios de lugares onde me sinto estar naquele momento, mas que de fato, são apenas produto de minha mente perturbada.

Momentos Estranhos, uma Realidade Estranha.