segunda-feira, 30 de abril de 2007

Quais as diferenças entre ilusão, delusão, e maya.


De E.P.
Particularmente creio que o assunto samsara é muito mais de acordo com os ensinamentos do Buda do que o assunto nirvana. É compreendendo e dissolvendo a complicação que nirvana se manifesta. Compreender e "construir um nirvana" não funciona."Ilusão" é quando existe uma realidade subjacente. Ou seja, falamos em ilusão quando há uma realidade em contraposição. Nesse sentido, embora seja um termo filosoficamente válido, tem uso restrito no escopo budista."Delusão" é um termo muito mais sofisticado. A filosofia de Wittgenstein popularizou o sentido com que os budistas a utilizam no ocidente, muito embora alguns tradutores para o português ainda traduzam "delusion" como "ilusão". Delusão é um engano particular da cognição, não algo que não exista em contraposição a algo que exista, como no caso da ilusão.O termo exato em sânscrito é "avidya", literalmente "não-visão", "cegueira". Muitas vezes esse termo é traduzido como "ignorância", mas isto também não ajuda muito a entender do que se trata.Avidya é o primeiro elo entre os doze da chamada "originação interdependente", o aro mais externo do desenho da roda, ele é o "pecado original" em termos de budismo. Ainda assim, não há conceito que possa ser maniqueistamente demonizado no budismo. A ignorância só é possível devido a liberdade primordial. Lama Samten gosta de dizer que "se a natureza ilimitada não se manifestasse de forma limitada ela não seria realmente ilimitada, pois teria a limitação de não manifestar-se limitadamente." (ufa!)Bem, como opera a delusão? Quando nos fixamos numa forma, não percebemos outras formas - surge um processo de escolha automático, diríamos "inconsciente", mas essa não é uma palavra da tradição budista. É uma escolha e uma separatividade, uma discriminação primordial. Então ao olharmos para um cubo simples desenhado no papel com traços, mostramos nosso processo delusório ao atribuir uma tridimensionalidade a algo que é apenas papel e tinta. Então nomeamos os vertices A e B,...continua abaixo...

Percebemos que se colocamos o vértice A na "frente", o vértice B surge "atrás". Mas facilmente podemos inverter o processo, colocando B na "frente" e A "atrás". O fato de vermos um cubo onde só há linhas, e enfim um tubo que emite elétrons, é uma delusão simples. Mas podemos ver que uma delusão "cega" outras possibilidades observando os vértices, se A e B estão juntos no mesmo plano, perdemos a delusão da tridimensionalidade do cubo. Se A está na frente, e percebemos a tridimensionalidade, B naturalmente vai estar atrás - ou vice-versa perdemos o vértice oposto. Ao vermos isso dessa forma, estamos "cegos" para outras possibilidades. Este é o processo de delusão.Então a delusão é a maravilha que nos permite operar a discriminação dos fenômenos, e ao mesmo tempo é a desgraça de estarmos cegos a uns enquanto fascinados por outros.Se existe uma atenção quanto a liberdade presente nas operações mentais delusivas, e simultaneamente a consciência de uma liberdade além das delusões, essa é uma realização verdadeiramente espiritual.É importante perceber que a delusão não opera a nível intelectual ou emocional, opera a nível cognitivo. Por isso não adianta saber que o "eu" não existe inerentemente — é preciso penetrar na operação dessa delusão e percebê-la em funcionamento. Daí não geramos apego ou aversão, medo ou fascínio por esse "eu", apenas rimos e usufruímos a delusão como ela é, sem nos enganar.É importante entender a diferença entre esses termos porque se dizemos que a dor é ilusória, isso é equivocado, já que ela é uma "ilusão real" para quem a sofre. Então a palavra "ilusão" encontra significados filosóficos indesejados nesse estilo. Já "delusão" explicita que é um engano meramente da experiência cognitiva."Maya" é uma palavra geralmente ligada a ilusão, e como há tradições não entendem efetivamente o processo da delusão, colocando uma realidade inerente em maya ou samsara, as vezes essa tradução seja correta fora do escopo budista — ou do mahayana pelo menos. A raiz do samsara e de maya como sinônimo de samsara é a delusão. Portanto não existe um samsara em si, apenas uma experiência de samsara ou uma percepção de samsara. Esse conhecimento é muito liberador, é a terceira nobre verdade que o Buda ensinou. (1. Há sofrimento; 2 - Este sofrimento é causado por delusão e seus filhos: marcas, carma, aflições, venenos, perturbações, nascimento e morte, "eu", etc; 3 - Já que há uma causa, o sofrimento pode ser eliminado; 4 - Há um caminho de oito passos para a eliminação do sofrimento.)"Samsara" está numa categoria filosófica além dos extremos de ilusão e realidade, por isso o termo delusão é tão precioso, indicando que samsara é real, mas apenas do ponto de vista da mente confusa — não é uma realidade absoluta. Se dizemos que samsara é uma mera "ilusão", isso pode nos levar a crer que não é real sequer de uma forma relativa, e por isso as pessoas podem dar de cara na parede, dizendo que ela é uma "ilusão" e não é sólida. Isso pode levar também a crer que o samsara seja inescapável, porque afinal, ele, dito assim, existe de uma forma inerente. Esses dois extremos são heresias do ponto de vista budista. De fato o carma e todo o processo causal surgem no processo de delusão. Eventualmente na medida que o ser acredita-se separado e funcionando como uma entidade independente, nessa mesma medida ele está sujeito ao carma a que se fixou. O sofrimento é tão ilusório quanto a noção da existência inerente, mas do ponto de vista de um ser que acredita neste tipo de existência - ainda, funciona automaticamente dentro desta existência inerente ilusória, espontaneamente atribuindo realidade a ela - o sofrimento é muito real.Assim, a única liberação possível é uma liberação não-causal, que salte além do processo delusivo primordial. Uma vez que esse processo primordial é de fato manifestação da própria luminosidade da mente, como já explicado acima, dizemos que a delusão primordial é o "não-reconhecimento da base", ou seja, o não-reconhecimento do estado de liberdade e o fascínio por estados particulares de desejo, forma e não-forma.As marcas ou cicatrizes que formam a ilusão de um fluxo de consciência afetado pelas sensações, emoções sutis e grosseiras, conceitos, e nascimento envelhecimento e morte. Como a fonte das marcas é a delusão, a única forma de superar o sofrimento de todas estas aflições é o reconhecimento da base. Miraculosamente, essa base tem uma manifestação luminosa na forma de energia ou compaixão, que são as aparências de samsara e nirvana. Esta é a morada do Tathagatha.Reconhecer a natureza livre de existência intrínseca dos fenômenos é a própria realização, e embora ela seja perfeitamente natural e permeie todas as esferas de compreensão, enquanto as delusões surgem, surgem as marcas e identidades que levam até o décimo segundo elo, que é o sofrimento do nascimento, envelhecimento e morte.É nesse sentido o Buda diz que "não veio e não foi", porque não estava preso a uma identidade criada pela concepção arbitrária de uma existência inerente particular e separativa presa a um âmbito espaço-temporal.

domingo, 29 de abril de 2007

Delusão


De E.P.


O que é exatamente a delusão?Talvez não seja tão necessário entender exatamente o que significa, mas sim perceber operando. É possível que achemos que saibamos o que seja, talvez tenhamos um significado pronto para um termo desses, mas tudo isto pode ser contraproducente — nos fixamos ao nosso conceito do que seja e impedimos que aquilo frutifique como prática.Estas palavras são mágicas, e isto num sentido muito profundo. Elas não são conceitos exatos, ou verdadeiros, ou técnicos (embora também não deixem de ser estas coisas), o que elas são principalmente é portas para a liberação. Essa palavra "delusão" é um guardião da sua mente, e você precisa se relacionar com ela como se fosse um cachorro feroz, prestes a morder você, mas que você gostaria ter como cão de guarda, a protegendo.Não é possível simplesmente passar a coleira para alguém: vai arrancar pedaços! É preciso que que a pessoa por si mesma faça amizade com ele, entenda seus sinais sutis, tenha por este cachorro uma espécie de devoção misturada com respeito. Então aos poucos o cachorro-delusão pode vir a ser seu protetor — e esse é dos protetores mais furiosos — vence morte, renascimento, sofrimento — qualquer coisa. Nomeie e o cachorro-delusão estraçalha.Por isso você não precisa saber como é esse cachorro, que tamanho ele tem, que cor e raça ele é. Você precisa ter este cachorro. Você precisa fazer amizade com ele. Como ele é muito bravo e esquivo, é preciso aproximar-se com cuidado máximo.Feita esta advertência, agora creio que não há problema em descrever o cachorro. Apenas espero que ele não nos morda enquanto faço isto!Quando ouvimos falar de delusão como a fonte de todos os problemas, imediatamente queremos achar um jeito de acabar com ela. Mas ela é a própria liberdade e a natureza criativa da mente. Em sanscrito, delusão é avidia. Avidia é Prajna (sabedoria) ao avesso. Avidia é o que impede Prajna, Prajna é o reconhecimento do que está além de Avidia, ou a liberdade em meio a avidia. Mas na verdade não são duas coisas, é apenas o mesmo cachorro atacando ou protegendo.Delusão tecnicamente é quando olhamos para uma coisa e esquecemos todas as outras. Ou seja, exatamente porque vemos, somos cegos. Exatamente porque um objeto surge, ignoramos todos os outros. Ela é a fonte das tendências cármicas, da identidade, das situações da vida e da morte. Quando olhamos uma paisagem pintada num quadro, temos emoções particulares, vemos um rio, árvores, etc. Mas ali há apenas papel e tinta. Esquecemos o papel e a tinta e reconhecemos rio, árvores, etc. Por isso a delusão é algo criativo, não apenas algo aprisionador.A delusão tem várias características: separatividade, teimosia, tempo e espaço, identidade, criatividade, cegueira, etc.Assim, como domamos este cachorro? Apenas nos perguntamos "como a mente se engana?" e obtemos uma resposta? É como um koan, uma pergunta com o objetivo de colocar a mente num estado tão inescapável que ela precisa transcender a si mesma. Como a mente se engana ao responder este koan? Como se engana ao não responder?Como a mente se engana? Se entendermos isto, estamos livres do engano, e o que surge é uma manifestação de criatividade. O cachorro é nosso amigo: até lhe damos comida, o levamos para passear e brincamos com ele. Nunca mais vai nos morder, ele sabe que não temos medo, ele tornou-se nosso amigo.Mas será que não vai mesmo? Como a mente se engana?Por exemplo, estamos tendo um pesadelo, um gorila está nos devorando. Acordamos gritando, suados. Cadê o gorila? Como a mente se engana?Perdemos pai e mãe num acidente de automóvel. Como a mente se engana?Temos câncer. Como a mente se engana?Você tem que dizer algo a seu amigo que perdeu a namorada. Como a mente se engana?Se entendemos como a mente se engana, aí podemos verdadeiramente acordar. Mas é preciso mais do que explicar o que é engano e o que é mente, é preciso reconhecer o engano ocorrendo, e brincar com ele.

O Amor Romântico - De E.P.



"Se duas pessoas se amam, não pode haver final feliz." Ernest Hemingway
O cínico poderia dizer que o amor romântico é uma invenção de Hollywood, mas estaria mais correto se retornasse à idade média. De fato, o amor romântico pode ser entendido como a primeira resposta que o homem comum encontrou para justificar o sexo frente ao que se conhece como repressão sexual cristã, e por conseqüência, a primeira e bela representação do sexo como experiência espiritual , no ocidente.
As pessoas que casavam por conveniência (o casamento foi criado para indicar a posse da fêmea e dos filhos - não existia antes da descoberta da relação do sexo com a reprodução), em toda a história, e por quase todas as culturas, começaram a aplicar os preceitos do espírito ao amor, esses preceitos sendo os do cristianismo. Assim, posição social ou diferença tribal não podia mais justificar um casamento : o homem que vivia em Cristo, casava por amor, e abandonaria tudo por amor, se fosse o caso. "Romeu e Julieta" é o ápice, sendo a troca da própria vida pelo amor romântico. Como todos sabemos, o dia-a-dia de Romeu e Julieta não seria só de rosas, o amor deles vem de uma idealização impossível na mente pagã. A idéia do príncipe encantado e da donzela virginal nasce aí .
Portanto que fique entendido que o amor aqui não é pela pessoa, mas pelo ideal da pessoa. Quem sabe manipular as máscaras sociais melhor, contém o relacionamento. O outro, que vai sentir dor-de-cotovelo no fim, é contido. Nessa armadilha sempre caem as pessoas que não estabelecem uma atitude emocional saudável no II circuito, que depende da auto-estima afirmada pelo I.
A armadilha sempre é a separação do sexo da amizade, e por fim a colocação do sexo como secundário em um relacionamento, o que é uma falácia, pois o sexo começa no primeiro flerte e não acaba até o último aceno. O que se entende por sexo sem amor é amor sem compromisso e casual , amor sem contrato e sem responsabilidade. Não é de admirar a hipocrisia de nossa sociedade, a existência de prostíbulos .
A monogamia deveria ser tratada como uma questão de preferência pessoal, a traição sendo uma quebra de contrato tácito entre pessoas de preferências diferentes com relação ao número de parceiros, sendo comum inclusive que o traidor nem entenda porque é diferente da regra tribal aceita . A hipocrisia de fato é um mecanismo repressor.
Existe, além disso, uma diferença biológica no que tange o sexo, e isso não pode ser ignorado na questão do amor: o macho tende a querer impregnar o maior número possível de fêmeas, a fêmea a escolher o melhor macho. As duas coisas são cruéis do ponto de vista Cristão, e ficam confusas do ponto de vista do homem como animal social. Mas a nível de II circuito a coisa é bem clara: a mulher que preenche o arquétipo da mãe para um homem o prende (ele vai ter a dor-de-cotovelo e os chifres de boi, corno manso), e o homem que preenche o arquétipo do pai para uma mulher geralmente o obtém pelo tamanho dos chifres (de touro). Esse homem geralmente responde mais ao impulso do falo do que o do ethos tribal, não há ideal de pai que o desafie.