segunda-feira, 30 de abril de 2007


Percebemos que se colocamos o vértice A na "frente", o vértice B surge "atrás". Mas facilmente podemos inverter o processo, colocando B na "frente" e A "atrás". O fato de vermos um cubo onde só há linhas, e enfim um tubo que emite elétrons, é uma delusão simples. Mas podemos ver que uma delusão "cega" outras possibilidades observando os vértices, se A e B estão juntos no mesmo plano, perdemos a delusão da tridimensionalidade do cubo. Se A está na frente, e percebemos a tridimensionalidade, B naturalmente vai estar atrás - ou vice-versa perdemos o vértice oposto. Ao vermos isso dessa forma, estamos "cegos" para outras possibilidades. Este é o processo de delusão.Então a delusão é a maravilha que nos permite operar a discriminação dos fenômenos, e ao mesmo tempo é a desgraça de estarmos cegos a uns enquanto fascinados por outros.Se existe uma atenção quanto a liberdade presente nas operações mentais delusivas, e simultaneamente a consciência de uma liberdade além das delusões, essa é uma realização verdadeiramente espiritual.É importante perceber que a delusão não opera a nível intelectual ou emocional, opera a nível cognitivo. Por isso não adianta saber que o "eu" não existe inerentemente — é preciso penetrar na operação dessa delusão e percebê-la em funcionamento. Daí não geramos apego ou aversão, medo ou fascínio por esse "eu", apenas rimos e usufruímos a delusão como ela é, sem nos enganar.É importante entender a diferença entre esses termos porque se dizemos que a dor é ilusória, isso é equivocado, já que ela é uma "ilusão real" para quem a sofre. Então a palavra "ilusão" encontra significados filosóficos indesejados nesse estilo. Já "delusão" explicita que é um engano meramente da experiência cognitiva."Maya" é uma palavra geralmente ligada a ilusão, e como há tradições não entendem efetivamente o processo da delusão, colocando uma realidade inerente em maya ou samsara, as vezes essa tradução seja correta fora do escopo budista — ou do mahayana pelo menos. A raiz do samsara e de maya como sinônimo de samsara é a delusão. Portanto não existe um samsara em si, apenas uma experiência de samsara ou uma percepção de samsara. Esse conhecimento é muito liberador, é a terceira nobre verdade que o Buda ensinou. (1. Há sofrimento; 2 - Este sofrimento é causado por delusão e seus filhos: marcas, carma, aflições, venenos, perturbações, nascimento e morte, "eu", etc; 3 - Já que há uma causa, o sofrimento pode ser eliminado; 4 - Há um caminho de oito passos para a eliminação do sofrimento.)"Samsara" está numa categoria filosófica além dos extremos de ilusão e realidade, por isso o termo delusão é tão precioso, indicando que samsara é real, mas apenas do ponto de vista da mente confusa — não é uma realidade absoluta. Se dizemos que samsara é uma mera "ilusão", isso pode nos levar a crer que não é real sequer de uma forma relativa, e por isso as pessoas podem dar de cara na parede, dizendo que ela é uma "ilusão" e não é sólida. Isso pode levar também a crer que o samsara seja inescapável, porque afinal, ele, dito assim, existe de uma forma inerente. Esses dois extremos são heresias do ponto de vista budista. De fato o carma e todo o processo causal surgem no processo de delusão. Eventualmente na medida que o ser acredita-se separado e funcionando como uma entidade independente, nessa mesma medida ele está sujeito ao carma a que se fixou. O sofrimento é tão ilusório quanto a noção da existência inerente, mas do ponto de vista de um ser que acredita neste tipo de existência - ainda, funciona automaticamente dentro desta existência inerente ilusória, espontaneamente atribuindo realidade a ela - o sofrimento é muito real.Assim, a única liberação possível é uma liberação não-causal, que salte além do processo delusivo primordial. Uma vez que esse processo primordial é de fato manifestação da própria luminosidade da mente, como já explicado acima, dizemos que a delusão primordial é o "não-reconhecimento da base", ou seja, o não-reconhecimento do estado de liberdade e o fascínio por estados particulares de desejo, forma e não-forma.As marcas ou cicatrizes que formam a ilusão de um fluxo de consciência afetado pelas sensações, emoções sutis e grosseiras, conceitos, e nascimento envelhecimento e morte. Como a fonte das marcas é a delusão, a única forma de superar o sofrimento de todas estas aflições é o reconhecimento da base. Miraculosamente, essa base tem uma manifestação luminosa na forma de energia ou compaixão, que são as aparências de samsara e nirvana. Esta é a morada do Tathagatha.Reconhecer a natureza livre de existência intrínseca dos fenômenos é a própria realização, e embora ela seja perfeitamente natural e permeie todas as esferas de compreensão, enquanto as delusões surgem, surgem as marcas e identidades que levam até o décimo segundo elo, que é o sofrimento do nascimento, envelhecimento e morte.É nesse sentido o Buda diz que "não veio e não foi", porque não estava preso a uma identidade criada pela concepção arbitrária de uma existência inerente particular e separativa presa a um âmbito espaço-temporal.

Nenhum comentário: