"A beleza deve ser convulsiva ou não será beleza..."
Andre Breton, Nadja
"Acredite-me! O segredo de colher o mais frutífero e maior aproveitamento da vida é viver perigosamente!"
Nietzsche
"Existem períodos em que você tem que escolher entre ser humano e ter bom
gosto."
Bertolt Brecht
"Você conhece o 11o Mandamento? Ele diz: 'Não deveis chatear a deus, ou ele destruirá vosso universo.'"
John Lilly
"Temos arte de forma a não morrermos através da verdade."
Friedrich Nietzsche
"Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes - tudo passa. Só a arte fica, por isso só a arte vê-se, porque dura."
Fernando Pessoa
Por uma peculiar espiral de pensamentos transitava o jovem Salvador Dali
naquela manhã em que viu várias formigas carregando um gafanhoto morto. Este fato assustou sobremaneira o menino, por alguma razão inexplicável.
Um dia chegou em que Dali resolveu exorcizar o gafanhoto na tela e tornou-se um artista. O Gafanhoto ficou abalado pela sua exposição na mídia, afinal era um sujeito responsável e não queria ser retratado como ícone dos complexos freudianos que algum artista de terceira carregava. Humpf! Tinha que tomar alguma atitude.
"Infelizmente uma metáfora não pode processar ninguém." Afirmou Plínio, que não havia ainda se acostumado a viver em um conto surrealista. "Consulte as formigas e talvez possamos fazer alguma coisa."
As formigas não queriam ajudar. Elas se sentiram lisonjeadas pela própria
interpretação que fizeram da obra de Dali: "Algumas de nós juntas
representam um pensamento, como se cada uma de nós fosse uma célula nervosa.
É lindo!"
"Blah!" disse o Gafanhoto, só então se dando conta da galinha que o
devoraria. Olhou para a bocarra se aproximando e falou, rápido: "Mas eu sou famoso! Dali fez meu retrato!", ao que foi devorado. A galinha disse, com um certo ar de sapiência que fica obviamente deslocado nesta espécie de animal emplumado que não voa: "O gafanhoto está sempre errado ao argumentar com a galinha."
As formigas sacudiram a cabeça e voltaram à masturbação que chamavam
"pensar".
.'.
Num desses universos paralelos ocorreu o encontro entre Janis Joplin, Jimi
Hendrix e Jim Morrison. Eles passaram pelo mendigo, que berrou "Nuit! Hadit!
Ra-Hoor-Khuit!" e se colocou a fazer um discurso perante os três, que
acharam a "mó'curtição":
"Meu nome é Anaximandros. Sou um alquimista. Me ouçam: o elixir da longa
vida está sendo preparado. Estará disponível para todos em algum momento.
Não se apressem: A morte é o suave estalo do vinil que toca [nossos
ancestrais gravavam som transformando as vibrações do ar em vibrações
mecânicas registradas em uma ranhura contínua em um disco de plástico
posteriormente esta ranhura era percorrida por uma agulha que com a ajuda de um sistema eletrônico de amplificação - nos modelos mais modernos -,
retransformava a ranhura irregular em som; freqüentemente essas ranhuras
eram interrompidas por microfissuras, que produziam estalos ao serem
tocadas]. Em pouco tempo as mídias eletrônicas vão alterar a consciência da mesma forma que os psicodélicos. Ya know... a mudança de marcha das
informações altera a rotação no motor da mente, all this shit... As pessoas vão ficar loucas no deserto, esperando um novo camelo... Então a urbe será um deserto... ahh... a loucura que a sociedade romana encontrou em seu declínio... burp, crouch, nhéc, nhéc, tsssssssssss... Depois reciclar. Em pouco tempo tudo isto em um dia. E então em uma hora. Veremos então a Besta da Revelação e todas as histórias da carochinha pela Internet, TV digital, o escambau. Vidas serão vividas em minutos do pensamento de uma pessoa em uma cidade grande. Países inteiros serão condenadas pelo caos decorrente...
cuidado com as bolsas de valores... Em vinte três anos vocês serão chamados de Dinossauros! Programadores Cobol serão considerados tal qual camponeses medievais escrevendo em latim errado! Psicólogos estudarão porque certas pessoas não conseguem usar computadores! Ratos fluorescentes existirão! As próprias previsões do futuro serão ultrapassadas ainda neste século. A imortalidade virá num tempo confuso onde o poder vai ser muito fluido."
"Wow!" disse Janis, arrematando com um talagasso de Southern Confort. Jimi e Jim pegaram o cara e pagaram um café para ele. A noite foi legal, com muita Marijuana e poucas drogas pesadas. Foram ao "Scene", onde contaram muitas piadas e tocaram alguns Blues. Jim bebeu demais e capotou. O mendigo começou a cantar velhas canções irlandesas. Com o bom gosto de quem incorpora a língua de Joyce ao beber capotou também.
Algumas semanas depois os três tinham boas lembranças da noite que haviam
passado com um mendigo alquimista. O olhar do mendigo foi lembrado no dia da morte de cada um [em uma outra realidade o mesmo mendigo entregaria um
folheto "O FBI e a CIA assassinaram Jim Morrison, Jimi Hendrix e Janis
Joplin" para um moleque chamado Roger; ele ainda hoje não sabe se isso foi um fnord ou não].
.'.
"Estes pequenos animaizinhos frenéticos parecem os pensamentos, estes sempre ávidos por soluções, aqueles por alimento. O gafanhoto, sempre errado ao argumentar com a galinha, é um complexo." Disse Gala, a Salvador Dali, que não aceitava interpretação, mas que se mantinha frio. Afinal ele era senhor de todos estes elementos pictóricos que manipulava. Ou achava que era. Esta luta representava a dimensão de seu gênio. Congelamos essa imagem em preto e branco e Camille Paglia adentra a cena, em cores:
"A paranóia é um elemento belo independentemente de ser mórbido. Ela
representa o medo que temos de nos entregar para o que quer que rotulemos
realidade. Como se pode perceber, é um elemento de aprisionamento erótico:
medo por outro elogia. É o medo intelectual, ou o medo da castração.
Exorcizar a paranóia na tela deve ajudar muito o desempenho sexual. Tocar
guitarra é o ápice da masturbação glorificada na arte. Toda arte tem
elementos de masturbação e paranóia.
A crítica é a castração. Ela filtra os impulsos que não correspondem as
expectativas. As exigências são a voz do mundo, o impulso é a libido. Por
aqui se entende que se você quer diminuir realmente alguém, diminua seu
impulso criativo, sexual e expontâneo. Uma pessoa castrada não exprime.
O segredo de Dali era saber balançar tão bem a arte e o significado - ou a falta proposital deste. Desta forma rotulou seu método de paranóia-crítica, que direcionava o jato da expressão arquetípica e apessoal do autor através da rede de uma psique individual. Ao ver um quadro Dali se percebe que não só a Arte, mas o Homem eram geniais e interessantes, coisa que se pode comprovar com uma foto qualquer de Dali.
Este é o desejo de qualquer artista: aparecer, seja através da obra ou da
personalidade.
Dizem que Oscar Wilde era ainda mais espirituoso em suas conversas do que em seus livros. Ele utilizava o mecanismo que o incomodava, a moral, como um artista plástico usaria um pincel. Esta é uma das razões pelas quais
percebemos ainda hoje suas tiradas: elas formam uma teia de pequenas
neuroses e complexos referentes ao uso que se faz da moral. Elas ficam
gritando pequenas incongruências a respeito da sociedade ao nosso ouvido
[alguns chamariam de Fnords].
.'.
Não se assustem ao perceberem que o xamanismo trabalha também no lado
inconsciente do trabalho artístico. Expressar a si mesmo é tarefa básica do artista, em todo caso xamã. Por isto tratar com a moral os aspectos do
xamanismo é como limitar a arte ao conceito. A expressão deve estar acima do que o artista conscientemente quer, que dirá do que outro quer.
Isto é mais fácil em algumas artes do que em outras. Em alguns casos, como em livros, o xamã está restrito a carregar no mínimo alguns conceitos, quiçá teorias completas da criação do mundo. É peculiaridade do fato de escrever que criemos sons, palavras, idéias e mundos, mesmo na escrita mais abstrata.
Criticar o conceito de algum escritor é vão. Mas criticar a técnica
exagerada de um músico talvez não seja, pois se tornou comum a castração da expressão em detrimento de uma técnica precisa necessária para algum
compositor particular. Algumas músicas precisam de cultura musical para
serem totalmente apreciadas, outras carecem de complexidade (sempre gerada por extrema paranóia do tipo obsessiva) mas carregam a complexidade do caos, talvez gerado pela expressão inconsciente.
Argumentar em sexo e arte é sempre errado, a Galinha sempre come o
gafanhoto, roqueiros morrem de overdose e as causas e conseqüências na
verdade sempre são caóticas. O artista supera um abismo quando sabe que sua obra é aceita. O sucesso depende apenas da energia sexual.
.'.
Mas no final tudo isto talvez não passe de crítica... ou paranóia. Quem dera todos fossemos como Oscar Wilde ou Dali, não? Imagino o que seria o Dali de um mundo onde todos fossem Dali...
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